‘Rotas do Crescimento’: como a logística impacta o preço dos produtos e a geração de empregos

Série de reportagens do Diário do Nordeste analisa como o uso dos modais logísticos no estado impacta as importações e exportações do Ceará

Foto: Thiago Galdelha/Diário do Nordeste

Desde as exportações, que movimentam a balança comercial do estado, até uma simples compra no e-commerce, os modais logísticos se mostram fundamentais para fazer com que a roda da economia gire. 

Por ano, mais de 267 milhões de toneladas transitam no estado do Ceará por meio ferrovias, portos ou aeroportos, de acordo com dados de 2021 da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Não há dados abertos sobre a circulação de mercadorias nas rodovias, por mais que esse seja o principal meio utilizado para o transporte interno.

Caminhões, navios, aviões e trens rodam diariamente milhares de quilômetros para que a matéria-prima chegue ao produtor, às lojas e, então, ao consumidor. O custo para que toda essa operação rode vem embutido no preço final de cada item.

A operação logística no Ceará e no Brasil conta com gargalos que custam tempo e dinheiro para as empresas e para o consumidor. Uma maior eficiência nesse processo poderia significar, para além de preços mais baixos, uma maior geração de renda, empregos e, consequentemente, um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

É por isso que o Diário do Nordeste publica nesta semana a série de reportagens “Rotas do Crescimento”, que mostra a operação de cada um dos modais utilizados no estado e acompanha os caminhos que os principais produtos exportados percorrem até se transformarem em receita.

IMPORTÂNCIA PARA A ECONOMIA 

O custo de transporte é um dos principais motivos que afetam o preço final do produto. Para além do custo financeiro, o tempo também é um fator determinante para a eficiência do processo.

O custo logístico para o transporte de cargas é repassado de alguma forma para o consumidor. Uma maior eficiência pode diminuir o repasse para o produto final, mas, mais que isso, acelerar a economia.

De acordo com o Panorama Logístico divulgado pelo Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) no ano passado, enquanto a atividade da indústria de transformação cresceu 11,4% entre 2015 e 2019, os custos operacionais subiram 20,1%.

Para o professor do departamento de economia agrícola da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cristiano da Silva, os custos que a indústria despende com transporte afetam diretamente a produtividade.

Isso acaba freando muito o crescimento da atividade. Quanto maior for a atividade, mesmo que não tenha tanto um efeito sobre preço [dos produtos] tem sobre salário, sobre emprego. Isso diretamente melhora a situação para a população. O emprego industrial tem uma produtividade e salário maior que outros setores”.

CRISTIANO DA SILVA

professor do departamento de economia agrícola da UFC

Segundo ele, uma maior eficiência nos modais de transporte logístico provoca um efeito positivo em cascata na economia, tendo como efeito maior geração de emprego e de renda. 

“Quando o custo diminui, as margens aumentam naturalmente para as empresas. Isso faz com que para cada unidade produzida, ao mesmo nível de preço, possa ofertar mais produto. Para ofertar mais produto, tem que empregar mais mão de obra e tem um aumento no capital”, resume.

Ele destaca que as atividades de importação e exportação possibilitam gerar uma indústria mais forte, o que significa mais empregos, e de qualidade. 

“Quando se gera emprego de melhor qualidade, essas pessoas vão consumir mais, o consumo aumenta e o setor de serviços é fortalecido. A roda da economia gira com mais força”, diz.

ESCOLHA DO TRANSPORTE

A eficiência no transporte logístico começa na escolha do modal utilizado para realizar o transporte de cargas. Para a escolha, se considera diversas variáveis, como distância entre os pontos e peso, volume e perecibilidade do produto.

“A gente não vai ter um modo exclusivo para um produto x ou y, esse processo vai ter que ser ponderado conforme as utilidades. Não vou mandar por avião minério de ferro. É um produto com densidade e no avião tem uma limitação de peso. Como é um produto que quem compra já conta com uma certa demora, se prefere um transporte que comporta uma maior quantidade, como navio”, exemplifica o professor do departamento de engenharia de transportes da UFC, Bruno Bertoncini.

Ele explica que a logística do transporte de produtos pode ser um entrave se não for bem programada e bem planejada. Isso porque, para além da infraestrutura física, como estradas e aeroportos, é necessário observar detalhes como locais de acondicionamento e transbordo.

Há uma pessoa responsável para traçar a melhor rota possível para levar uma carga de um ponto a outro, visando economizar tempo e combustível. É o que explica o diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella.

“A roteirização eficiente permite uma redução do tempo de percurso entre as paradas, bem como o consumo de combustível. Então é possível realizar o maior número de entregas gastando menos”, destaca.

O que seria ideal na teoria, contudo, nem sempre consegue ser realizado no país.

Não há muita opção de escolha. Você vai se basear basicamente nas rodovias, e para fazer as melhores rotas são poucas opções, vai ter que ter ali uma roteirização que busque a melhor traçada e muitas vezes não tem jeito, porque não tem muitas opções, são poucas rodovias e aí isso vai impactar realmente na qualidade dos serviços e nos custos operacionais. Isso vai refletir também no custo do frete. E vai encarecer os produtos”.

MARCUS QUINTELLA

diretor da FGV Transportes

Para além do tempo e consumo de combustível, o transporte em caminhões precisa considerar alguns prejuízos, como o desperdício de parte do produto – sobretudo no caso de grãos – e o risco de roubos nas estradas.

TRANSPORTE TERRESTRE

A logística brasileira possui algumas limitações que precisam de investimentos robustos para serem resolvidos. Uma questão importante é a dependência quase integral do modal rodoviário para transporte interno.

O Ceará possui 3.590 quilômetros de rodovias, de acordo com a pesquisa de rodovias da CNT, dos quais 50,8% estão classificados como regulares, 14,2% como ruins e 3,5% como péssimos.

“Das 35 rodovias existentes dentro do estado do Ceará, apenas uma está em ótimo estado, que é a rodovia estadual 040, considerando pavimento, sinalização e o traçado da via, a geometria da via”, cita Marcus Quintella.

Ele considera que um melhor acesso terrestre, tanto rodoviário como ferroviário, poderia alavancar outros modais, como é o caso da cabotagem (transporte marítimo entre portos brasileiros). O país, contudo, ainda é deficiente em ferrovias, com obras que se alongam, como é o caso da Transnordestina. 

“É uma situação que daria grandes vantagens competitivas ao Ceará, mas ela depende muito desses investimentos pesados, na melhoria e manutenção das rodovias, construção de ferrovias”, ressalta.

O professor considera que essa é uma questão que precisa de investimentos estruturantes por parte do governo para ser solucionado. 

“A iniciativa privada complementa investimento, ela só entra em investimentos em transporte que tragam um lucro, que sejam bons projetos, que tenham uma boa rentabilidade. Ela não vai fazer projetos estruturantes como o Brasil precisa para dar capilaridade”, coloca. 

CENTRALIZAÇÃO DA LOGÍSTICA

Cristiano da Silva aponta que a flexibilidade entre os modais é importante para ocorrer uma descentralização do processo logístico.

“Se você não tem uma interligação para fazer escoamento, limita os processos atrativos que a gente teria, principalmente fora da região metropolitana de Fortaleza. Esse é outro problema que temos, a produção é muito concentrada”, afirma.

Bruno Bertoncini avalia que levar indústrias para mais próximo dos consumidores em todo o estado ajuda os produtos se tornarem mais acessíveis para a população. Mas, para isso, é necessária uma logística que consiga interligar os pontos.

Ele acrescenta que essa concentração causa atrasos que atrapalham o processo como um todo.

A região metropolitana de Fortaleza é um entrave. Se eu coloco um anel viário, mas eu não tenho uma política que ajude a coibir o assentamento urbano ao longo do anel viário, daqui a pouco ele passa a ser uma rodovia, passa a ser um problema que é um problema que dificulta impulsionar a expansão da economia e essa expansão da economia tem impacto direto na qualidade de vida das pessoas”.

Fonte: Diário do Nordeste
01/08/2022